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Modificações bioquímicas dos macronutrientes durante a cocção


A cocção é um processo térmico essencial que promove alterações físico-químicas nos macronutrientes, influenciando sua digestibilidade, biodisponibilidade, sabor, textura e segurança microbiológica. As mudanças nos lipídios, carboidratos e proteínas variam conforme o método (ebulição, grelhamento, fritura, assamento etc.), a temperatura e o tempo de exposição.


Lipídios (LIP)

Durante a cocção, os lipídios sofrem alterações significativas, sobretudo quando expostos a altas temperaturas, como na fritura e no assamento. As principais reações incluem:

  • Oxidação lipídica: insaturações nas cadeias de ácidos graxos são suscetíveis à oxidação, formando peróxidos, aldeídos e cetonas, que impactam negativamente o valor nutricional e a segurança alimentar (Shahidi & Zhong, 2005).

  • Polimerização térmica: em temperaturas elevadas (>180 °C), como em frituras, triglicerídeos podem se polimerizar, gerando compostos de alto peso molecular com baixa digestibilidade (Choe & Min, 2007).

  • Isomerização de ácidos graxos: ocorre a formação de isômeros trans, principalmente em óleos vegetais sob aquecimento prolongado, afetando o perfil lipídico dos alimentos (Dobarganes & Márquez-Ruiz, 2003).


Carboidratos (CHO)

Os carboidratos são afetados principalmente por reações térmicas e enzimáticas que modificam sua estrutura e funcionalidade:

  • Gelatinização do amido: na presença de água e calor (60–80 °C), grânulos de amido absorvem água e se rompem, aumentando a digestibilidade (Hoover & Vasanthan, 1994).

  • Reação de Maillard: entre açúcares redutores e aminoácidos, essa reação confere cor, aroma e sabor típicos a alimentos cozidos, mas também pode formar compostos potencialmente tóxicos, como acrilamida (Nursten, 2005).

  • Caramelização: ocorre em temperaturas superiores a 160 °C, sem necessidade de proteínas, produzindo compostos aromáticos e pigmentos marrons (caramelos), comuns em preparações como doces e assados (Martins et al., 2000).


Proteínas (PTN)

As proteínas sofrem desnaturação e, subsequentemente, agregação ou coagulação térmica:

  • Desnaturação: ruptura de ligações não covalentes (hidrogênio, hidrofóbicas e iônicas), alterando a estrutura terciária/quaternária da proteína, o que pode aumentar a digestibilidade (Damodaran, 2008).

  • Coagulação e agregação: proteínas desnaturadas interagem formando redes, como observado na formação de gel em ovos e carne (Tornberg, 2005).

  • Reações de escurecimento não enzimático: a participação de proteínas na reação de Maillard contribui para alterações sensoriais e, em excesso, pode reduzir a biodisponibilidade de aminoácidos essenciais como lisina (Friedman, 1996).



    Tabela 01 - Efeitos dos métodos de cocção sobre macronutrientes.

Método de Cocção

Temperatura

Lipídios (LIP)

Carboidratos (CHO)

Proteínas (PTN)

Ebulição / Cozimento em água

100 °C

Mínima oxidação; perda de lipídios solúveis na água ou migrados para o meio (caldo)

Gelatinização do amido; perdas mínimas de CHO solúveis na água

Desnaturação térmica; aumento da digestibilidade; possível perda de aminoácidos solúveis

Vapor

~100 °C

Preservação dos lipídios; baixa oxidação

Gelatinização eficiente com menor perda de nutrientes

Desnaturação eficiente sem perdas significativas de nitrogênio proteico

Assamento / Forno

150–250 °C

Oxidação e polimerização; possível formação de ácidos graxos trans

Caramelização; reação de Maillard intensa

Desnaturação, agregação e escurecimento (Maillard); possível perda de lisina

Grelhar / Chapa / Churrasco

>200 °C

Alta oxidação e termodegradação dos lipídios de superfície

Caramelização e reação de Maillard acentuadas na superfície

Coagulação rápida; formação de crosta; risco de formação de compostos como HAPs*

Fritura por imersão

160–190 °C

Absorção de gordura pelo alimento; oxidação e polimerização do óleo

Reações de escurecimento não enzimático; degradação de CHO simples

Desnaturação rápida; formação de crostas com possível baixa retenção de aminoácidos

Micro-ondas

80–120 °C (interior)

Mínima oxidação lipídica, dependendo do tempo e potência

Gelatinização parcial; baixa intensidade de reações de Maillard

Desnaturação eficiente e uniforme, sem escurecimento superficial significativo

Cocção à pressão (panela de pressão)

110–120 °C

Perdas mínimas; baixa oxidação

Gelatinização mais rápida; redução do tempo de cocção

Desnaturação acelerada; maior retenção de nutrientes comparado à cocção convencional

*HAPs: Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos – compostos potencialmente carcinogênicos formados por aquecimento intenso, especialmente em alimentos grelhados ou defumados.


Há perda de macronutrientes durante o processo de cocção, e essa perda depende do tipo de nutriente, método de cocção, tempo e temperatura, além da matriz alimentar. Abaixo está um panorama técnico das principais causas e mecanismos dessas perdas:


1. Proteínas (PTN)

  • Desnaturação térmica: a estrutura proteica é alterada, mas não há perda quantitativa significativa de nitrogênio. No entanto:

    • Pode haver perda de aminoácidos solúveis (ex: lisina, metionina) para a água de cocção.

    • A reação de Maillard pode comprometer a biodisponibilidade de aminoácidos essenciais (particularmente lisina) em temperaturas elevadas.

    • Cozimentos prolongados podem levar à formação de agregados insolúveis, dificultando a digestibilidade.


2. Lipídios (LIP)

  • Sofrem oxidação térmica e formação de compostos secundários (peróxidos, aldeídos).

  • Ácidos graxos insaturados são especialmente sensíveis e podem ser degradados em processos como fritura e assamento.

  • Em frituras, há absorção de óleo pelo alimento, mas também perdas qualitativas (formação de trans e compostos poliméricos com baixa digestibilidade).


3. Carboidratos (CHO)

  • A gelatinização do amido (principalmente em cereais e tubérculos) aumenta sua digestibilidade, sem perdas significativas da fração amido resistente — exceto em cocções prolongadas.

  • Açúcares simples podem sofrer degradação térmica (caramelização) ou participar da reação de Maillard, reduzindo sua disponibilidade.

  • Parte dos polissacarídeos solúveis (fibras, pectinas) pode ser degradada ou lixiviada no meio aquoso (em ebulição ou cozimento lento).


Tabela 2 - Principais mecanismos de perda.

Mecanismo

Nutrientes afetados

Exemplos

Lixiviação

Aminoácidos, açúcares solúveis

Cozimento em água

Reações térmicas

Aminoácidos, açúcares

Assamento, fritura

Oxidação

Ácidos graxos insaturados

Fritura, grelha, forno

Volatilização

Compostos lipídicos voláteis

Grelha, forno

Interação com outros compostos

Aminoácidos com açúcares (Maillard)

Carnes assadas, panificação

Resumo

  • Perdas quantitativas de macronutrientes são geralmente baixas em métodos brandos (vapor, micro-ondas, cocção à pressão).

  • Perdas qualitativas (como redução da biodisponibilidade ou formação de compostos indesejáveis) são mais comuns em métodos secos e de alta temperatura (grelhar, fritar, assar).

  • O uso de técnicas como cozimento a vapor ou sous-vide ajuda a preservar a integridade nutricional dos macronutrientes.


Referências bibliográficas

  • Choe, E., & Min, D. B. (2007). Chemistry of deep-fat frying oils. Journal of Food Science, 72(5), R77–R86.

  • Damodaran, S. (2008). Amino acids, peptides, and proteins. In Fennema’s Food Chemistry (4th ed.). CRC Press.

  • Dobarganes, C., & Márquez-Ruiz, G. (2003). Oxidized fats in food – a review. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care, 6(2), 157–163.

  • Friedman, M. (1996). Food browning and its prevention: An overview. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 44(3), 631–653.

  • Hoover, R., & Vasanthan, T. (1994). The effect of annealing on the physicochemical properties of wheat, oat, potato and lentil starches. Journal of Food Biochemistry, 17(5), 303–325.

  • Martins, S. I., Jongen, W. M., & van Boekel, M. A. (2000). A review of Maillard reaction in food and implications to kinetic modelling. Trends in Food Science & Technology, 11(9-10), 364–373.

  • Nursten, H. E. (2005). The Maillard Reaction: Chemistry, Biochemistry, and Implications. Royal Society of Chemistry.

  • Shahidi, F., & Zhong, Y. (2005). Lipid oxidation: Measurement methods. In Bailey’s Industrial Oil and Fat Products (6th ed.).

  • Tornberg, E. (2005). Effects of heat on meat proteins – Implications on structure and quality of meat products. Meat Science, 70(3), 493–508.


Como referenciar este post?

CINTRA, Patricia. Modificações bioquímicas dos macronutrientes durante a cocção. Post 759. Nutrição Atenta. 2025.

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