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Reflexão: excesso de frutose encontrada em alimentos ultraprocessados e a produção do ácido úrico

Atualizado: 28 de fev.


➡️ A frutose é um monossacarídeo naturalmente presente nas frutas e mel, com alto poder de doçura, metabolismo independente de insulina e rápida absorção hepática. Além disso, não apresenta problemas de cristalização como a sacarose, justificando assim o fato de estar sendo muito empregada na indústria de alimentos e bebidas.


➡️ O objetivo da indústria no uso da frutose (xarope de milho) é melhorar o paladar, a viscosidade, a textura, a cor e aumentar a durabilidade dos produtos alimentícios (MURPHY; JOHNSON, 2003; DIETARY GUIDELINES ADVISORY OMMITTEE, 2005).



 

1. APRESENTANDO O PROBLEMA


Tendo em vista o grande desenvolvimento da indústria alimentícia e a facilidade de acesso a esses produtos, a ingestão de açúcar aumentou expressivamente nos últimos 40 anos em todo mundo, principalmente com a introdução dos açúcares adicionados (ELLIOT et al., 2002; TAPPY; LE, 2010). A frutose, proveniente do xarope de milho, vem sendo utilizada como adoçante de bebidas industrializadas pelo fato de possuir maior solubilidade e também por ter poder edulcorante 1,7 vezes maior que a sacarose (HALLFRISCH, 1990).


A alimentação no Brasil é caracterizada por forte transição para uma dieta com elevado uso de produtos densos em energia, com maior participação de gorduras e açúcares de adição e redução no consumo de fibra dietética, frutas, hortaliças e cereais (WHO, 2003; BRASIL, 2010b).


Essa mudança alimentar foi observada por meio das Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), evidenciando aumento na aquisição de produtos industrializados e redução de alimentos in natura (BRASIL, 2010a). Levy-Costa et al. (2005) em análise da evolução da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil de 1974-1975 a 2002-2003, encontraram aumento de 400% no consumo per capita de refrigerante em famílias brasileiras residentes em áreas metropolitanas pertencentes a todas as categorias de rendimento (de 0,4% para 2,1% do total de calorias). Por outro lado, a participação do açúcar de mesa (sacarose) vem sendo reduzida desde 1987, enquanto a contribuição do açúcar adicionado aos alimentos dobrou, especialmente por meio do consumo de refrigerantes e biscoitos, indicando persistência de elevado teor de açúcar de adição e incremento na fração oriunda de alimentos processados e ultraprocessados (BRASIL, 2004 e 2014; BRASIL,2010b; LEVY et al., 2012).


O consumo crônico de frutose aumenta ainda mais a capacidade para o metabolismo hepático da frutose ativando vários fatores chave de transcrição que elevam a expressão de enzimas lipogênicas,

aumentando a lipogênese, hipertrigliceridemia e esteatose hepática. Além disso, o aumento da esteatose hepática e as concentrações plasmáticas de lipídios podem contribuir para a resistência à insulina e promover a DCV (HERMAN; VARMAN, 2016).


 

2. O METABOLISMO


A frutose é absorvida no intestino delgado pelo transportador de glicose 5 (GLUT5), não dependente de insulina. Uma vez dentro do enterócito, a frutose difunde-se para os vasos sanguíneos através do

transportador GLUT2 no pólo basolateral, onde é rapidamente fosforilada nas posições de carbono 1 pela frutoquinase ou no carbono 6 por uma hexoquinase (MAYES, 1993).


A maior parte da frutose é fosforilada no carbono 1 e se acumula rapidamente no fígado, onde é hidrolisada em 2 trioses: dihidroxiacetona e gliceraldeído-fosfato. Essas 2 trioses podem seguir caminhos diferentes: 1) participar na via glicolítica produzindo piruvato, que é convertido em ácido lático sob condições anaeróbias ou pode entrar no ciclo de ácido cítrico como acetil CoA sob condições aeróbias com liberação de energia; 2) fosfato de di-hidroxiacetona pode ser reduzido a glicerol-3-19

fosfato, o qual é necessário para a síntese de lipídeos incluindo triacilgliceróis e fosfolipídeos; e 3) fosfato de di-hidroxiacetona pode ser condensado para formar frutose-1,6-difosfato, formando glicose ou glicogênio. A Figura 1 apresenta as vias metabólicas da glicose e da frutose (DORNAS et al., 2015).



 

3. AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS


➡️ Em humanos foi comprovado que a alimentação rica em frutose ou a administração de frutose intravenosa eleva os níveis de ácido úrico no sangue e na urina (PERHEENTUPA; RAIVIO, 1967; EMMERSON, 1974).


➡️ Níveis sanguíneos elevados de frutose presente no xarope de milho, comumente encontrado em produtos ultraprocessados, podem aumentar os níveis de purinas dentro das células hepáticas, essas purinas por sua vez são convertidas em ácido úrico.


➡️ Pesquisa importante realizada pela FMUSP mostrou associação entre os níveis séricos de ácido úrico e a doença: esteatose hepática não alcoólica. A pesquisa usou dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, uma coorte (acompanhamento de longo prazo) em andamento no País.


➡️ Nos últimos anos, evidências clínicas sugerem que o ácido úrico elevado frequentemente está associado ao desenvolvimento ou progressão da esteatose hepática não alcóolica. Altos índices de ácido úrico podem levar ao desenvolvimento de resistência à insulina (RI). 


➡️ Verifica-se que também existem outros mecanismos propostos para indução da produção de ácido úrico pela frutose. Há uma hipótese de que a maior ingestão de frutose ou sacarose poderia indiretamente estimular a síntese de ácidos graxos de cadeia longa e conduzir à hipertrigliceridemia, bem como aumento da resistência à insulina (MAYES, 1993; WU et al., 2004). Ambas as condições estão associadas ao ácido úrico elevado (CONEN et al., 2004). Maior ingestão de frutose também diminui

a excreção de ácido úrico devido a uma associação com o aumento da produção de lactato (NAKAGAWA et al., 2006).


Outro dado importante trazido pelo estudo mostra que o consumo elevado de frutose – vinda de produtos ultraprocessados – pode aumentar o risco de associação entre o ácido úrico e a DHGNA, tanto para homens quanto para mulheres.


Os resultados integram a tese de doutorado da nutricionista Clara Freiberg, defendida em janeiro de 2021. A partir desses achados, a pesquisadora sugere que a investigação prática da função hepática deva fazer parte do protocolo dos exames de rotina.


Do total da amostra estudada (10.597 pessoas), a pesquisa encontrou uma prevalência de DHGNA de 38,5% (44,9% em homens e 34% em mulheres). Quando comparados a outros países, como Estados Unidos (34%), Índia (29%) e Coreia do Sul (26%), esse número parece bem elevado. 


 “Quando falamos de frutose estamos nos referindo àquela industrializada, presente em alimentos ultraprocessados, e não ao consumo da fruta propriamente dita”, esclarece Clara Freiberg, nutricionista autora do estudo. A ingestão de frutose tem sido associada à progressão da doença devido ao seu potencial de aumentar os níveis de ácido úrico no sangue. Ela está presente em muitos produtos ultraprocessados na forma de xarope de milho enriquecido com frutose. Estudos estimam que a frutose tem sua absorção aumentada em quase 30% quando associada a soluções com esse tipo de carboidrato.



Referências:


JORNAL DA USP. Gordura no fígado ácido úrico e frutose altos podem desencadear esteatose hepática não alcoólica. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/gordura-no-figado-acido-urico-e-frutose-altos-podem-desencadear-esteatose-hepatica-nao-alcoolica/ . Acesso em: 26 fev. 2023.


SIQUEIRA, Jordana Herzog. CONSUMO DE REFRIGERANTE, FRUTOSE DIETÉTICA E ÁCIDO

ÚRICO SÉRICO: RESULTADOS DA LINHA DE BASE DO ESTUDO LONGITUDINAL DE SAÚDE DO ADULTO (ELSA-BRASIL). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, Espírito Santo. 2017.


Como referenciar este post?

CINTRA, Patricia. Reflexão: excesso de frutose encontrada em alimentos ultraprocessados e a produção do ácido úrico. Post 411. Nutrição Atenta. 2023.

Instagram: @cintra.nutricionista.


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